quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O pescador e seu jipe

Existem coisas que não se pode separar, combinam muito bem, como massa com molho, molho com camisa branca, pizza e guaraná, pão e manteiga, banheira e telefone tocando, cigarro e cafezinho, tarde chuvosa e sono, frase e pára-choque de jipe. Elementos indissociáveis. Um amigo sempre diz: o diabo cria, Deus separa e eles, por si só, se juntam. E o pescador e seu jipe são assim. Confesso que tentei viver sem. Divorciei-me de um CJ5 1982 há pouco mais de um ano. Ah!, a vida não é a mesma. Noites bem dormidas, economia em gasolina, sem contas imprevisíveis em peças e manutenções. Não! Perde-se uma emoção. Sair de casa e ter a certeza de chegar? Pior, ter a certeza de voltar! Isso não tem graça.
Mas, na vida de um pescador, o jipe representa, também, o outro lado da moeda: a única possibilidade de “talvez” chegar lá. E por isso, todos têm, de uma ou de outra forma, um jipe. E explico.
 
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Jipe não é um veículo, é um conceito, uma metáfora sobre veículos capazes de feitos surpreendentes, possuidores de uma força estranha, uma vontade própria para superar obstáculos. A história mais aceita sobre a origem da palavra jipe é muito interessante e ilustra bem a relação do pescador com o seu veículo. Segundo a mitologia militar norte-americana, o termo derivou da pronúncia das iniciais de um utilitário militar leve, pelo qual era designado: GP, na pronúncia ianque, gi-pi, que logo ganhou a simpática grafia aportuguesada jipe. GP é a sigla para “general purpose”, ou seja, veículo para uso geral. Daí que qualquer utilitário de uso geral pode ser chamado, pelo pescador, por jipe, seja uma camionete, um carro, um SUV ou até mesmo um Jeep. Vi alguns fuscas virarem jipes. Jipe é jipe e não se discute. O dono determina se é ou não um jipe. Porém, a observação ensina: quando pode ser lavado por fora e por dentro com lava-jato, certamente é jipe.


O jipe faz parte da tralha de pesca. Imponente, agrega uma austeridade especial ao portador. Sair de casa, faça chuva ou faça sol, para ir pescar, torna-se uma aventura, regada ao sabor da liberdade dos lugares mais inóspitos e inacessíveis. Claro, quando se consegue chegar. Sei bem o que digo. Numa feita, um companheiro assistiu a um dos piores momentos na carreira de um jipe, o capô aberto, chovendo, três horas da madrugada de um inverno gelado - cena clássica de beira de estrada na vida de um jipeiro - olhou com paciência para o motor e comentou: é, acho que Murphy tinha um jipe. Nada poderia ter dado mais errado. Lembro de vários destes momentos. Mas, lembro dos bons também, quando consegui voltar de uma pescaria após uns seis dias de chuva e atravessei a zona do litoral sul do Estado cruzando campos naufragados e, ao chegar, 300 km depois, soube que estava em uma zona isolada pela calamidade, aonde apenas helicópteros chegavam; um feito heróico para meu valente jipinho que ganhou mais umas medalhas – aquelas plaquetas que recortamos e rebitamos na lata para tapar os buracos.
Quando li que o Vladimir Putin, presidente russo, comprou um jipe Lada Niva, pensei, esse cara vai pescar. Terminei de ler a matéria e lá no fim surge a frase esperada, “comprou o jipe russo para ir pescar”. Bingo! É o que ele precisava na tralha de pesca para pescar na Sibéria. O jeep e o pescador são inseparáveis. Um precisa do outro, o jipe para ter sentido de ser e o pescador para atingir os mais inóspitos lugares, como a Sibéria.

O humor intrínseco na relação “o pescador e seu jipe” está expresso nas frases dos pára-choques. Casamento perfeito. Divertidas, são sabedorias em gotas telegráficas. Algumas beiram a genialidade, pois o espaço para uma frase é restrito e o tempo para a leitura é curto. Estas frases transmitem uma idéia completa, contam uma história ou ensinam uma sabedoria de vida e, as vezes, são completamente incompreensíveis. Talvez seja a menor mídia do mundo, até uma caneta apresenta maior área para escrita e tempo para leitura. São as pérolas do adágio popular. Seguem algumas: “Este lado para cima.”, e uma flechinha apontando para o céu; "Um dia todos os buracos se unirão e o único veículo viável será o jipe!”; "Minha mulher disse: eu ou o jipe. Sinto saudades dela.”; "Coração de jipeiro não bate, trepida”; “De 0 a 100 em 15 minutos, mas, com estilo”; "Off-Road: Adrenalina a 10 Km/h”; “A emoção começa na hora de dar a partida”; "A estrada ta ruim? Faça a sua!”; um adesivo colado de cabeça para baixo, diz o seguinte: "Se você estiver conseguindo ler, sem problemas, por favor chame o resgate"; "Quem gosta de motorzinho é dentista”; "Quanto mais velho eu fico... mais rápido eu era!”; “Eu sou um jipe!”, colado em uma Caravan; "Sistema de freio progressivo: quanto mais rápido menos freia!”; “Cuidado: freio a ar... vore!”; “Jipe não estraga, pára para descansar.”; “Não é desconfortável, você que é chato...”; "Se tudo falhar use o martelo" dentro do capô de um CJ5; “Bons meninos vão para o céu. Jipeiros vão onde quiserem.”; "Evite acidentes, faça de propósito."; “Se Maomé não vai à montanha, é porque não tem jipe.”; “Tá com pressa? Passa por baixo!”; “Jipe não vaza, demarca território.”; “A culpa é minha e eu coloco ela em quem eu quiser!”; “Existe vida após a morte? ...mexa no meu jipe e descobrirá.”; "Se consegues ler esta mensagem, ou o final de semana foi chato, ou eu já lavei o jipe."; "Se buzinar, dou ré!"; “Se você não gosta do modo como dirijo, saia da calçada!"; "O stress é o intervalo entre duas pescarias.";
"Nada segura um jipe ... geralmente, nem os freios!"; "Você pode ter todo o dinheiro do mundo, mas há algo que jamais poderá comprar: um dinossauro." E qual será a frase que o Vladimir Putin colocará no pára-choque? Sugestão: “Se a coisa está russa, vá de Niva!”

Créditos: Gustavo De Marchi
Texto publicado em 16/02/2011* - 00:00, quarta-feira.


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